Roney Rodrigues
“Padre, eu sei que é difícil falar para o senhor, mas tenho que dizer: metade da população de Berilo tem mal de Chagas e depois que passarem dos 40 anos provavelmente morrerão”.
O pesquisador era colombiano. Estava se pós-graduando no Brasil e foi para Berilo-MG estudar a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A doença é transmitida por insetos, conhecidos como barbeiros, e é freqüente em regiões carentes. No início aparece apenas infecção no local da picada. À medida que a doença progride, os sintomas tornam-se crônicos e podem levar a insuficiência cardíaca.
Na pequena pracinha de Berilo, com suas ruas de chão batido, muitas pessoas que caminhavam caíam. “É chagas”, diziam os moradores para não assustar algum desinformado que passasse por ali. O pesquisador estava estudando os efeitos da doença e como tratá-la. E o padre, seu amigo e que o auxiliava com o idioma devido seu português precário, estava em sua frente e ele dando a pior notícia que ele poderia ouvir.
“Você sabe o que é ficar noites e noites sem dormir, apenas chorando e rezando e chorando e pesando: meu Deus, todas essas pessoas vão morrer! Eu entrei em depressão”, me diz o padre.
José Nuno de Castro e Silva, 72, é português. Veio há 36 anos para Brasil para trabalhar no Vale do Jequitinhonha. Pelo tempo de brasilidade, se diz no direito de dizer que é brasileiro e ponto. Chegou para ser o pároco de uma região de mais de 1.600 quilômetros quadrados. Para ir de comunidade em comunidade “rezar missa”, ele subia no lombo de um burrinho. “Já tenho muito experiência. Sei montar a galope muito bem”, se orgulha. “Aí eu vi o sofrimento do povo. Eu vivia com eles, comia o que eles comiam, bebia água com urina e girinos e sofria muito de disenteria. Eu tomava banho numa bacia depois que a mãe e mais todos os filhos tomava”, diz, lembro das dificuldades dos primeiros tempos na região.
Padre José durante todo esse tempo deu aulas de higiene e gastronomia, preparou parteiras com material da Alemanha, conseguiu uma máquina com verba holandesa para abrir reservatórios no Sertão para reter águas da chuva, levou água encanada para várias comunidades e só batizava quando crianças vacinadas. E para resolver o problema do Mal de Chagas, entrou em contato com a Universidade Federal de Ouro Preto para realizar estudos de contenção da doença. Deu certo e hoje a doença já não é um mal fatal na cidade.
“O mais importante de tudo isso não é uma esmolinha ou qualquer ação, mas dizer a toda essa população que eles são gente!”, diz. “O Vale do Jequitinhonha vai ser um punhal que vai ser cravado no coração de todos esses políticos quando eles chegarem lá em cima. O Aécio para mim tem o valor de estrume. Ele ganha pouco dinheiro? E nós não temos estradas, nossa população é miserável e passamos por todos esses problemas. Eu não suporto autoridade falando na televisão que vai fazer algo pelo Vale do Jequitinhonha sem dar vontade de vomitar”.
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