Roney Rodrigues
“Padre, eu sei que é difícil falar para o senhor, mas tenho que dizer: metade da população de Berilo tem mal de Chagas e depois que passarem dos 40 anos provavelmente morrerão”.
O pesquisador era colombiano. Estava se pós-graduando no Brasil e foi para Berilo-MG estudar a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A doença é transmitida por insetos, conhecidos como barbeiros, e é freqüente em regiões carentes. No início aparece apenas infecção no local da picada. À medida que a doença progride, os sintomas tornam-se crônicos e podem levar a insuficiência cardíaca.
Na pequena pracinha de Berilo, com suas ruas de chão batido, muitas pessoas que caminhavam caíam. “É chagas”, diziam os moradores para não assustar algum desinformado que passasse por ali. O pesquisador estava estudando os efeitos da doença e como tratá-la. E o padre, seu amigo e que o auxiliava com o idioma devido seu português precário, estava em sua frente e ele dando a pior notícia que ele poderia ouvir.
“Você sabe o que é ficar noites e noites sem dormir, apenas chorando e rezando e chorando e pesando: meu Deus, todas essas pessoas vão morrer! Eu entrei em depressão”, me diz o padre.
José Nuno de Castro e Silva, 72, é português. Veio há 36 anos para Brasil para trabalhar no Vale do Jequitinhonha. Pelo tempo de brasilidade, se diz no direito de dizer que é brasileiro e ponto. Chegou para ser o pároco de uma região de mais de 1.600 quilômetros quadrados. Para ir de comunidade em comunidade “rezar missa”, ele subia no lombo de um burrinho. “Já tenho muito experiência. Sei montar a galope muito bem”, se orgulha. “Aí eu vi o sofrimento do povo. Eu vivia com eles, comia o que eles comiam, bebia água com urina e girinos e sofria muito de disenteria. Eu tomava banho numa bacia depois que a mãe e mais todos os filhos tomava”, diz, lembro das dificuldades dos primeiros tempos na região.
Padre José durante todo esse tempo deu aulas de higiene e gastronomia, preparou parteiras com material da Alemanha, conseguiu uma máquina com verba holandesa para abrir reservatórios no Sertão para reter águas da chuva, levou água encanada para várias comunidades e só batizava quando crianças vacinadas. E para resolver o problema do Mal de Chagas, entrou em contato com a Universidade Federal de Ouro Preto para realizar estudos de contenção da doença. Deu certo e hoje a doença já não é um mal fatal na cidade.
“O mais importante de tudo isso não é uma esmolinha ou qualquer ação, mas dizer a toda essa população que eles são gente!”, diz. “O Vale do Jequitinhonha vai ser um punhal que vai ser cravado no coração de todos esses políticos quando eles chegarem lá em cima. O Aécio para mim tem o valor de estrume. Ele ganha pouco dinheiro? E nós não temos estradas, nossa população é miserável e passamos por todos esses problemas. Eu não suporto autoridade falando na televisão que vai fazer algo pelo Vale do Jequitinhonha sem dar vontade de vomitar”.
domingo, 26 de dezembro de 2010
sábado, 25 de dezembro de 2010
O poder que eu não quero ter
Renato Olívio
As terras de Pasmado-MG representam tudo o que eu sempre soube a respeito de sentido literal. Quem visita essas terras, sai com uma sensação de horror, tristeza, incapacidade e impotência. Pasmado. Quem somos nós para decidir quem merece receber uma feirinha, uma trouxa de roupas, um brinquedo, ou até mesmo potinhos plásticos? Quem somos nós pra decidir quem será agraciado na véspera do Natal? Este é um poder que não quero ter. Decidir quem vai ter o que comer nos próximos dias, e ao mesmo tempo decidir quem não vai. Não somos deuses. Não temos esse poder.
No final das contas, apesar de tudo, saímos felizes dessa terra sabendo que fizemos o que estava ao nosso alcance e por conhecer o que é um verdadeiro pagador de promessas. Carregar uma cruz, por mais do que três anos até então, nunca passou pela minha cabeça. A força de vontade de um verdadeiro pagador de promessas não tem limites.
As terras de Pasmado-MG representam tudo o que eu sempre soube a respeito de sentido literal. Quem visita essas terras, sai com uma sensação de horror, tristeza, incapacidade e impotência. Pasmado. Quem somos nós para decidir quem merece receber uma feirinha, uma trouxa de roupas, um brinquedo, ou até mesmo potinhos plásticos? Quem somos nós pra decidir quem será agraciado na véspera do Natal? Este é um poder que não quero ter. Decidir quem vai ter o que comer nos próximos dias, e ao mesmo tempo decidir quem não vai. Não somos deuses. Não temos esse poder.
No final das contas, apesar de tudo, saímos felizes dessa terra sabendo que fizemos o que estava ao nosso alcance e por conhecer o que é um verdadeiro pagador de promessas. Carregar uma cruz, por mais do que três anos até então, nunca passou pela minha cabeça. A força de vontade de um verdadeiro pagador de promessas não tem limites.
Presente antecipado
Renato Olívio
Por um momento me lembrei do trabalho que realizei em um Lar para Desamparados durante as minhas férias de julho. Foi uma experiência incrível, assim como a que presenciei no dia 23 de dezembro de 2010. A cidade de Araçuaí-MG, no berço do Vale do Jequitinhonha, me trouxe de presente o sorriso de mais de 49 crianças atendidas pelo projeto Sabor Solidário, mantido por uma irmã missionária. Meu presente de Natal antecipado, por poder abraçar e dar carinho a crianças abandonadas pelos pais. Presente de Natal como o de seu Frederico, que com certeza lembrará do meu nome na minha próxima visita. Ele sempre lembra.
Drogas, prostituição, fome e miséria: desgraças que assolam essa terra tão castigada.
Por um momento me lembrei do trabalho que realizei em um Lar para Desamparados durante as minhas férias de julho. Foi uma experiência incrível, assim como a que presenciei no dia 23 de dezembro de 2010. A cidade de Araçuaí-MG, no berço do Vale do Jequitinhonha, me trouxe de presente o sorriso de mais de 49 crianças atendidas pelo projeto Sabor Solidário, mantido por uma irmã missionária. Meu presente de Natal antecipado, por poder abraçar e dar carinho a crianças abandonadas pelos pais. Presente de Natal como o de seu Frederico, que com certeza lembrará do meu nome na minha próxima visita. Ele sempre lembra.
Drogas, prostituição, fome e miséria: desgraças que assolam essa terra tão castigada.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Trilhas da Caatinga
Renato Olívio
Antes de deixarmos a cidade de Rubelita-MG, logo imaginávamos que o caminho a ser percorrido não era nada fácil. Estradas de difícil acesso, sol a pino que somente o Vale do Jequitinhonha pode proporcionar. No entanto, todos nós sabíamos que tínhamos uma missão: levar um pouco de alegria para pessoas que nem sequer tem o que comer. O que beber é também uma longa história.
“Ih rapaz, daqui não passa o carro não. Vamos ter que ir a pé.”
Valdivino Cardoso, 16 anos, nos acompanhou durante todo o trajeto, como um verdadeiro guia. A trilha da caatinga mineira é bem diferente daquela que estamos habituados e todos os cuidados necessários deviam ser tomados. A camionete, que nos levava ao riacho, foi abandonada, como muitas daquelas pessoas que viviam naquele morro distante de Rubelita-MG.
“A casa da Cida é muito longe, menino. Não dá pra ir a pé até lá não.”
Um dos moradores daquele chapadão já nos alertava diante das dificuldades encontradas. Um telefonema, feito por uma das moradores, chamava dona Cida para a entrega das “feirinhas”, que seriam destinadas aos moradores daquele local. Como o acesso até Cida era complicado, restava-nos tentar dona Piedade, que também nos renderia muita história.
O sol das três da tarde castigava todos nós. A subida não era fácil. Todos ofegantes e cansados, mas a vontade de chegar ao destino era muito maior. Quando avistamos a casa de dona Piedade, percebemos que estávamos no lugar certo.
“Entra, gente. Podem pegar um pouco d’água, vocês tão cansados.”
A receptividade da família era impressionante, assim como as condições em que viviam. Água escassa, alimentos em falta. Camas, televisão, fogão e geladeira são artigos de luxo inacessíveis a todos eles. Um copo d’água, cedidos a nós, passava a ser um peso na consciência adquirido por todos. Para conseguir água potável, Juvercino de Oliveira, marido de Dona Piedade, andava um dia inteiro com seu burrinho emprestado, carregando água cedida por um fazendeiro. Aquela água que eles nos davam podia-lhes fazer falta, mas eles faziam questão de nos oferecer.
“Vocês vieram de São Paulo até aqui? Gente do céu, é muito longe. Vocês vão com Deus e que ele lhes dê saúde e tudo de bom.”
A graditão de Seu Juvercino era impagável. Era hora de partir. Um longo caminho havia ainda a ser percorrido. Milhares de famílias ainda mereciam a nossa atenção.
Antes de deixarmos a cidade de Rubelita-MG, logo imaginávamos que o caminho a ser percorrido não era nada fácil. Estradas de difícil acesso, sol a pino que somente o Vale do Jequitinhonha pode proporcionar. No entanto, todos nós sabíamos que tínhamos uma missão: levar um pouco de alegria para pessoas que nem sequer tem o que comer. O que beber é também uma longa história.
“Ih rapaz, daqui não passa o carro não. Vamos ter que ir a pé.”
Valdivino Cardoso, 16 anos, nos acompanhou durante todo o trajeto, como um verdadeiro guia. A trilha da caatinga mineira é bem diferente daquela que estamos habituados e todos os cuidados necessários deviam ser tomados. A camionete, que nos levava ao riacho, foi abandonada, como muitas daquelas pessoas que viviam naquele morro distante de Rubelita-MG.
“A casa da Cida é muito longe, menino. Não dá pra ir a pé até lá não.”
Um dos moradores daquele chapadão já nos alertava diante das dificuldades encontradas. Um telefonema, feito por uma das moradores, chamava dona Cida para a entrega das “feirinhas”, que seriam destinadas aos moradores daquele local. Como o acesso até Cida era complicado, restava-nos tentar dona Piedade, que também nos renderia muita história.
O sol das três da tarde castigava todos nós. A subida não era fácil. Todos ofegantes e cansados, mas a vontade de chegar ao destino era muito maior. Quando avistamos a casa de dona Piedade, percebemos que estávamos no lugar certo.
“Entra, gente. Podem pegar um pouco d’água, vocês tão cansados.”
A receptividade da família era impressionante, assim como as condições em que viviam. Água escassa, alimentos em falta. Camas, televisão, fogão e geladeira são artigos de luxo inacessíveis a todos eles. Um copo d’água, cedidos a nós, passava a ser um peso na consciência adquirido por todos. Para conseguir água potável, Juvercino de Oliveira, marido de Dona Piedade, andava um dia inteiro com seu burrinho emprestado, carregando água cedida por um fazendeiro. Aquela água que eles nos davam podia-lhes fazer falta, mas eles faziam questão de nos oferecer.
“Vocês vieram de São Paulo até aqui? Gente do céu, é muito longe. Vocês vão com Deus e que ele lhes dê saúde e tudo de bom.”
A graditão de Seu Juvercino era impagável. Era hora de partir. Um longo caminho havia ainda a ser percorrido. Milhares de famílias ainda mereciam a nossa atenção.
O Natal chegou, Giovani
Renato Olívio
Nossa segunda visita na cidade de Rubelita-MG nos dava a dimensão da necessidade daquele povo. Alimentos, brinquedos e roupas, distribuídos em plena praça pública no primeiro dia na cidade, agora mereciam um destino bem mais específico. Um verdadeiro trabalho investigativo, buscando a família que mais precisava e aquela que fosse a premiada doa dia. Infelizmente, não é possível atender a todos.
“Seu moço, me vê um brinquedo? Me dá uma bonequinha.”
A distribuição de brinquedos fazia a festa da garotada do morro de Rubelita. Além disso, enormes trouxas de roupas eram repartidas pelas famílias e desapareciam em questão de segundos, impressionando a todos nós que estávamos distribuindo os kits. Já as “feirinhas”, contendo alimentos de necessidade básica, mereciam atenção especial. Todos que distribuíam oravam para Deus para que fossem destinadas aos que definitivamente precisavam.
Uma dos barracos visitadas chamava atenção. Dona Jacina Maria de Souza, viúva e mãe de uma filha e dois netos, vive em condições de extrema miséria. Seu cardápio diário? Mini-porções de farinha com gordura, dosados milimetricamente. Em dias de escassez, ela cede sua parte aos netos, chegando a ficar quatro dias sem ter o que comer. Todos eles estão acostumados à fome, assim como estamos acostumados a ter as nossas duas refeições diárias.
“O Natal chegou, vó? É o Natal?”
Giovani, neto de Dona Jacina, apontava a cesta com as “feirinhas” e roupas doadas pelo grupo na saída. O espírito natalino procura trazer presentes para as pessoas certas, aquelas que realmente merecem. Saímos da casa de dona Jacinta tranqüilos. Destino melhor, provavelmente impossível.
Nossa segunda visita na cidade de Rubelita-MG nos dava a dimensão da necessidade daquele povo. Alimentos, brinquedos e roupas, distribuídos em plena praça pública no primeiro dia na cidade, agora mereciam um destino bem mais específico. Um verdadeiro trabalho investigativo, buscando a família que mais precisava e aquela que fosse a premiada doa dia. Infelizmente, não é possível atender a todos.
“Seu moço, me vê um brinquedo? Me dá uma bonequinha.”
A distribuição de brinquedos fazia a festa da garotada do morro de Rubelita. Além disso, enormes trouxas de roupas eram repartidas pelas famílias e desapareciam em questão de segundos, impressionando a todos nós que estávamos distribuindo os kits. Já as “feirinhas”, contendo alimentos de necessidade básica, mereciam atenção especial. Todos que distribuíam oravam para Deus para que fossem destinadas aos que definitivamente precisavam.
Uma dos barracos visitadas chamava atenção. Dona Jacina Maria de Souza, viúva e mãe de uma filha e dois netos, vive em condições de extrema miséria. Seu cardápio diário? Mini-porções de farinha com gordura, dosados milimetricamente. Em dias de escassez, ela cede sua parte aos netos, chegando a ficar quatro dias sem ter o que comer. Todos eles estão acostumados à fome, assim como estamos acostumados a ter as nossas duas refeições diárias.
“O Natal chegou, vó? É o Natal?”
Giovani, neto de Dona Jacina, apontava a cesta com as “feirinhas” e roupas doadas pelo grupo na saída. O espírito natalino procura trazer presentes para as pessoas certas, aquelas que realmente merecem. Saímos da casa de dona Jacinta tranqüilos. Destino melhor, provavelmente impossível.
Papai Noel
Roney Rodrigues
- Mainha morreu. Deus tava precisando dela e levou ela pra Ele”.
Com a cabeça baixa e envergonhada, Luana Aparecida Perreira, 7, perdeu sua mãe, vítima de derrame cerebral. Quando passamos por lá ela estava com seus outros quatro irmãos. José Perreira da Cruz, 14, é o irmão mais velho e o responsável pelos irmãos, enquanto seu pai está na trabalhando em uma roça.
- Mainha morreu. Deus tava precisando dela e levou ela pra Ele”.
Com a cabeça baixa e envergonhada, Luana Aparecida Perreira, 7, perdeu sua mãe, vítima de derrame cerebral. Quando passamos por lá ela estava com seus outros quatro irmãos. José Perreira da Cruz, 14, é o irmão mais velho e o responsável pelos irmãos, enquanto seu pai está na trabalhando em uma roça.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Ventos de Ouro Fino
Roney Rodrigues
Um vendaval varreu Ouro Fino.
E não era um vendaval qualquer. Era dos grandes. Nunca os moradores viram ventos tão fortes e intensos. Uma noite inteira foi o suficiente para arrancar telhados e telhas e desalojar dez famílias em Ouro Fino, um vilarejo paupérrimo.
No ápice das rajadas dos ventos, os homens seguravam literalmente as paredes de suas casas. Apoiavam o dorso e os troncos contra as paredes feitas de tijolos de barracos e rebocadas também uma fina massa de terra para que elas não caíssem. As mulheres tentavam abrigar os filhos de alguma forma, se protegerem das telhas que voam junto com os ventos e amenizar os efeitos da chuva sobre os ombros.
Depois disso, 16 casas foram construídas, no estilo Cohab. Mas poucas famílias que ficaram desalojadas conseguiram ser beneficiadas. Josefina Almeida de Jesus, 24, explica o porque.
“As casinhas são todas por indicação. Um vereador pegou seis e outro também. O prefeito ficou com cinco. Aí eles só dão pra quem puxa o saco deles e faz campanha”, reclama.
E a casa de Maria Aparecida Lima Xavier, 46, teve que ser habitada por mais 12 pessoas. O marido não trabalha, tem artrose. “As radiografias estão aqui se o senhor quiser ver... fez tudinho os exames em Governador Valadares”, diz dona Maria, segurando um grande envelope.
“O senhor bem vê que quem tem um calibre assim não ta bem”, diz o marido de Dona Maria, Florisberto Xavier, 58. Ele está há três anos sem trabalhar e só vive com 152 reais da Bolsa Família. “Não que tenha trabalho por aqui... Mas eu queria estar saudável pra ir pra roça. “Nós vive com a ajuda dos filhos de Deus. E alguns olham pra nós e acham que eu não quero trabalhar”.
Florisberto chora. Tenta disfarçar, escondendo os olhos com sua mão áspera. Dona Maria também chora. “A pior coisa que tem no mundo éter filho e não ter o que dar a ele de comer”.
A maioria dos moradores do vilarejo não tem trabalho. Os poucos que conseguem são bicos esparsos, dois ou três dias da semana, em alguma roça, capinando ou plantando feijão. Quando o caminhão estaciona com as cestas básicas, a “feirinha” como eles dizem, uma multidão se aglomera. “Me dá uma feirinha, seu moço”. “Não dá pra ela não, ela é aposentada, eu só tenho um Bolsa Família...”. “Seu moço, o meu menino ta doente e eu não tenho o que comer”.
Encontro com Rosa Barbosa da Silva Santos, 36, que acabou de ganhar roupas, cesta básica e presentes para os seus cinco filhos. Ela vai para sua casa com um grande sorriso. “Olha Renildo, olha, ganhei. Ano passado a gente não conseguiu esse ano Deus abençoou”, diz para seu marido.
- A feirinha vai ajudar, Dona Rosa?”, pergunto, entrando em sua casa.
- O, se vai... vai ajudar e muito!”, diz.
Em sua dispensa tem poucas coisas. Apenas uma latinha com café em pó, um pouco de feijão e um saquinho de farinha. Ela busca alguns galhos num carrinho de mão fora da sua casa para acender o fogão a lenha de sua casa.
Ela suspira e confidencia.
- Hoje não adiantava nem acender o fogão”.
Um vendaval varreu Ouro Fino.
E não era um vendaval qualquer. Era dos grandes. Nunca os moradores viram ventos tão fortes e intensos. Uma noite inteira foi o suficiente para arrancar telhados e telhas e desalojar dez famílias em Ouro Fino, um vilarejo paupérrimo.
No ápice das rajadas dos ventos, os homens seguravam literalmente as paredes de suas casas. Apoiavam o dorso e os troncos contra as paredes feitas de tijolos de barracos e rebocadas também uma fina massa de terra para que elas não caíssem. As mulheres tentavam abrigar os filhos de alguma forma, se protegerem das telhas que voam junto com os ventos e amenizar os efeitos da chuva sobre os ombros.
Depois disso, 16 casas foram construídas, no estilo Cohab. Mas poucas famílias que ficaram desalojadas conseguiram ser beneficiadas. Josefina Almeida de Jesus, 24, explica o porque.
“As casinhas são todas por indicação. Um vereador pegou seis e outro também. O prefeito ficou com cinco. Aí eles só dão pra quem puxa o saco deles e faz campanha”, reclama.
E a casa de Maria Aparecida Lima Xavier, 46, teve que ser habitada por mais 12 pessoas. O marido não trabalha, tem artrose. “As radiografias estão aqui se o senhor quiser ver... fez tudinho os exames em Governador Valadares”, diz dona Maria, segurando um grande envelope.
“O senhor bem vê que quem tem um calibre assim não ta bem”, diz o marido de Dona Maria, Florisberto Xavier, 58. Ele está há três anos sem trabalhar e só vive com 152 reais da Bolsa Família. “Não que tenha trabalho por aqui... Mas eu queria estar saudável pra ir pra roça. “Nós vive com a ajuda dos filhos de Deus. E alguns olham pra nós e acham que eu não quero trabalhar”.
Florisberto chora. Tenta disfarçar, escondendo os olhos com sua mão áspera. Dona Maria também chora. “A pior coisa que tem no mundo éter filho e não ter o que dar a ele de comer”.
A maioria dos moradores do vilarejo não tem trabalho. Os poucos que conseguem são bicos esparsos, dois ou três dias da semana, em alguma roça, capinando ou plantando feijão. Quando o caminhão estaciona com as cestas básicas, a “feirinha” como eles dizem, uma multidão se aglomera. “Me dá uma feirinha, seu moço”. “Não dá pra ela não, ela é aposentada, eu só tenho um Bolsa Família...”. “Seu moço, o meu menino ta doente e eu não tenho o que comer”.
Encontro com Rosa Barbosa da Silva Santos, 36, que acabou de ganhar roupas, cesta básica e presentes para os seus cinco filhos. Ela vai para sua casa com um grande sorriso. “Olha Renildo, olha, ganhei. Ano passado a gente não conseguiu esse ano Deus abençoou”, diz para seu marido.
- A feirinha vai ajudar, Dona Rosa?”, pergunto, entrando em sua casa.
- O, se vai... vai ajudar e muito!”, diz.
Em sua dispensa tem poucas coisas. Apenas uma latinha com café em pó, um pouco de feijão e um saquinho de farinha. Ela busca alguns galhos num carrinho de mão fora da sua casa para acender o fogão a lenha de sua casa.
Ela suspira e confidencia.
- Hoje não adiantava nem acender o fogão”.
Um diálogo
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
O morro de Francisco Sá
Um homem que pedalava vagarosamente sua bicicleta, vestindo camisa social e calça, para. Pensa.
“Alguma família que precisa de ajuda...”, e olha para cima, como quem mapeia as lembranças.
“Olhe, é que sou evangélico e nós não esperamos ninguém chegar por aqui para ajudar, tentamos nós mesmos fazer alguma coisa”.
“Mas não tem nenhuma família que precise?”, insistimos.
“O senhor segue na rodovia, faz o trevo e desce até a rodoviária. De lá o senhor vai ver uma cemitério e atrás do cemitério um morro. Lá tem muita gente que precisa de ajuda. Muita gente mesmo”.
“Mas tem perigo de a gente entrar lá?”
“Não. ‘Morro’ aqui não é morro igual em São Paulo. São só casinhas bem pobres”, diz, prosseguindo, ainda vagarosamente, em sua bicicleta.
Subindo o ‘morro’, as pessoas olham desconfiadas. Provelmente se perguntam o que esses “forasteiros” fazem por lá. O local é Francisco Sá, uma cidade em que a maioria não tem um emprego fixo. Uma antiga empresa, que tinha lavouras de alho, fechou as portas. A única opção de trabalho para os moradores é o garimpo, que já anda esgotado. Logo a desconfiança a nossa presença vira afeição.
“Seu moço, seu moço”, insistem as crianças. “Uma balinha, me dá mais uma balinha, por favor”, diz ao receber os doces.
Alguns escondem os doces em uma mão e insistem:
“Seu moço, eu ainda não ganhei nada. Me dá um lanchinho”.
“Olha, aquele senhor precisa bastante. É muito necessitado!”.
O tal senhor é Seu Moisés. Ele está sentado na porta as sua casa. Quando entregamos um saco com roupas, ele agarra o saco, dá viva e saúda a generosidade.
“Minha Nossa Senhora Aparecida, muito obrigado. Deus proteja vocês. Quer um cafezinho? Chama todo mundo para aqui dentro, vamos tomar um cafezinho. Ô, minha Nossa Senhora Aparecida, muito obrigado. Muito obrigado”.
Abre um sorriso largo. Está semi-banguelo. E feliz.
“Alguma família que precisa de ajuda...”, e olha para cima, como quem mapeia as lembranças.
“Olhe, é que sou evangélico e nós não esperamos ninguém chegar por aqui para ajudar, tentamos nós mesmos fazer alguma coisa”.
“Mas não tem nenhuma família que precise?”, insistimos.
“O senhor segue na rodovia, faz o trevo e desce até a rodoviária. De lá o senhor vai ver uma cemitério e atrás do cemitério um morro. Lá tem muita gente que precisa de ajuda. Muita gente mesmo”.
“Mas tem perigo de a gente entrar lá?”
“Não. ‘Morro’ aqui não é morro igual em São Paulo. São só casinhas bem pobres”, diz, prosseguindo, ainda vagarosamente, em sua bicicleta.
Subindo o ‘morro’, as pessoas olham desconfiadas. Provelmente se perguntam o que esses “forasteiros” fazem por lá. O local é Francisco Sá, uma cidade em que a maioria não tem um emprego fixo. Uma antiga empresa, que tinha lavouras de alho, fechou as portas. A única opção de trabalho para os moradores é o garimpo, que já anda esgotado. Logo a desconfiança a nossa presença vira afeição.
“Seu moço, seu moço”, insistem as crianças. “Uma balinha, me dá mais uma balinha, por favor”, diz ao receber os doces.
Alguns escondem os doces em uma mão e insistem:
“Seu moço, eu ainda não ganhei nada. Me dá um lanchinho”.
“Olha, aquele senhor precisa bastante. É muito necessitado!”.
O tal senhor é Seu Moisés. Ele está sentado na porta as sua casa. Quando entregamos um saco com roupas, ele agarra o saco, dá viva e saúda a generosidade.
“Minha Nossa Senhora Aparecida, muito obrigado. Deus proteja vocês. Quer um cafezinho? Chama todo mundo para aqui dentro, vamos tomar um cafezinho. Ô, minha Nossa Senhora Aparecida, muito obrigado. Muito obrigado”.
Abre um sorriso largo. Está semi-banguelo. E feliz.
Entre Pequis
O caminhão parou. Seu Ailton José da Silva corre. Ele é senhor franzino com a pele curtida pelo sol, rosto marcado pela idade e pelo labor, e que trabalha com a esposa vendendo pequi às margens da rodovia Pato de Minas-Montes Claros.
“É aqui! É aqui”, diz
Chinelo, panetone e cesta básica são entregues. Ele estica o braço para nos mostrar, com algumas feridas abertas, outras já em processo de cicatrizamento.
“Óia, moço, as queimaduras do meu braço. Dói dói bastante”, se lamenta. “Muito obrigado pela ajuda, muito obrigado”.
Seu Ailton sorri, tira do bolso um cigarro improvisado que parece ter mais papel que fumo. Acende.
“O senhor sabia que a gente passaria por aqui, seu Ailton?”, perguntamos.
“Sabia, sabia, Deus lhes pague. É o caminhão do baú”, e solta um sorriso largo.
“Minha mulher vai adorar isso aqui”, diz ao receber uma sombrinha. “Ela vivia me falando para pegar a aquelas chapéus largos”, e gesticula como se fosse um sombrero mexicano. “Ela num vai mais pegar Sol”.
Outro senhor, tronco largo, barbas embranquecidas pela idade e que também vende pequis na estrada, se aproxima para receber ajuda. Ele morra em um barracão próximo, diz que os “homis” queriam tirá-lo de lá, mas que ele não sairia, pagava direitinho a conta de luz e, portanto, continuaria no barracão. “Obrigado pela ajuda, Deus é grande, Deus lhe pague”, diz, se agarrando na cesta básica e na sacola de roupas.
É hora de prosseguir viagem. Apertos de mão e votos de bom Natal.
O senhor fixa os olhos em nós. Fita-nos intensamente. Seus olhos ameaçam umedecer, ele desvia o olhar para disfarçar os sentimentos, mas uma lagrima dos cantos dos olhos denuncia seus sentimentos.
“Vai com Deus, meu filho”.
“É aqui! É aqui”, diz
Chinelo, panetone e cesta básica são entregues. Ele estica o braço para nos mostrar, com algumas feridas abertas, outras já em processo de cicatrizamento.
“Óia, moço, as queimaduras do meu braço. Dói dói bastante”, se lamenta. “Muito obrigado pela ajuda, muito obrigado”.
Seu Ailton sorri, tira do bolso um cigarro improvisado que parece ter mais papel que fumo. Acende.
“O senhor sabia que a gente passaria por aqui, seu Ailton?”, perguntamos.
“Sabia, sabia, Deus lhes pague. É o caminhão do baú”, e solta um sorriso largo.
“Minha mulher vai adorar isso aqui”, diz ao receber uma sombrinha. “Ela vivia me falando para pegar a aquelas chapéus largos”, e gesticula como se fosse um sombrero mexicano. “Ela num vai mais pegar Sol”.
Outro senhor, tronco largo, barbas embranquecidas pela idade e que também vende pequis na estrada, se aproxima para receber ajuda. Ele morra em um barracão próximo, diz que os “homis” queriam tirá-lo de lá, mas que ele não sairia, pagava direitinho a conta de luz e, portanto, continuaria no barracão. “Obrigado pela ajuda, Deus é grande, Deus lhe pague”, diz, se agarrando na cesta básica e na sacola de roupas.
É hora de prosseguir viagem. Apertos de mão e votos de bom Natal.
O senhor fixa os olhos em nós. Fita-nos intensamente. Seus olhos ameaçam umedecer, ele desvia o olhar para disfarçar os sentimentos, mas uma lagrima dos cantos dos olhos denuncia seus sentimentos.
“Vai com Deus, meu filho”.
domingo, 19 de dezembro de 2010
Na Estrada
Roney Rodrigues
São mais de mil quilômetros. A estrada vai sendo vencida por metros, quilômetros, dias. Quatro caminhões, carregados com cestas básicas de alimentos não-perecíveis, roupas e brinquedos saem de Olímpia-SP para tentar proporcionar um Natal melhor para muitas famílias.
Enquanto perus, caixas de cervejas e refrigerante, cidras e trocas de presente são planejados por muitas outras famílias, este grupo de treze pessoas decidiu passar a semana de Natal de uma maneira diferente: ajudando famílias no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais carentes do Brasil. E tem sido assim há quase duas décadas, quando o empresário Deusivaldo Rosa dos Santos, assistindo a uma reportagem sobre as carências da região na TV, se sensibilizou. Hoje, Deusivaldo e o grupo de voluntários que o acompanha são conhecidos como “Anjos do Jequitinhonha”.
O que se viu nesses primeiros dias de viagem é a mudança sutil – mas que se mostra brusca pela velocidade dos caminhões e dos automóveis – da paisagem: um mar de cana de açúcar da região sucroalcooleira, a soja que impera em boa parte do Cerrado que adentra Minas e o extremo norte de São Paulo, a boiada que se afigura longe em um terreno verde ondulado e um novo mar verde, só que de plantações de café.
Hoje uma parte do grupo de voluntários pernoita em Patos de Minas-MG. Outra decidiu aproveitar as fagulhas restantes do Sol para ganhar mais quilômetros nessa viagem. Amanhã é mais um dia de viagem. Mais de 600 quilômetros até Salinas-MG, primeiro ponto previstos para as “entregas”, pela jornada Vale do Jequitinhonha adentro.
São mais de mil quilômetros. A estrada vai sendo vencida por metros, quilômetros, dias. Quatro caminhões, carregados com cestas básicas de alimentos não-perecíveis, roupas e brinquedos saem de Olímpia-SP para tentar proporcionar um Natal melhor para muitas famílias.
Enquanto perus, caixas de cervejas e refrigerante, cidras e trocas de presente são planejados por muitas outras famílias, este grupo de treze pessoas decidiu passar a semana de Natal de uma maneira diferente: ajudando famílias no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais carentes do Brasil. E tem sido assim há quase duas décadas, quando o empresário Deusivaldo Rosa dos Santos, assistindo a uma reportagem sobre as carências da região na TV, se sensibilizou. Hoje, Deusivaldo e o grupo de voluntários que o acompanha são conhecidos como “Anjos do Jequitinhonha”.
Crédito: Naiara Moro
O que se viu nesses primeiros dias de viagem é a mudança sutil – mas que se mostra brusca pela velocidade dos caminhões e dos automóveis – da paisagem: um mar de cana de açúcar da região sucroalcooleira, a soja que impera em boa parte do Cerrado que adentra Minas e o extremo norte de São Paulo, a boiada que se afigura longe em um terreno verde ondulado e um novo mar verde, só que de plantações de café.
Crédito: Renato Olívio
Hoje uma parte do grupo de voluntários pernoita em Patos de Minas-MG. Outra decidiu aproveitar as fagulhas restantes do Sol para ganhar mais quilômetros nessa viagem. Amanhã é mais um dia de viagem. Mais de 600 quilômetros até Salinas-MG, primeiro ponto previstos para as “entregas”, pela jornada Vale do Jequitinhonha adentro.
Assinar:
Postagens (Atom)